sexta-feira, 18 de novembro de 2011

A vida sem Quimeras não tem graça!


A Quimera da mitologia grega era uma fera que cuspia fogo, composta por partes de múltiplos animais: corpo e cabeça de leão, cauda terminando com uma cabeça de serpente e mais uma cabeça de cabra acoplada às costas. Claro que havia variações sobre esse tema, mas era um ‘bicho’, mesmo, de arrepiar!
Com o tempo, o termo Quimera passou a ser usado para descrever, de maneira genérica, todas as bestas mitológicas de composição híbrida.
Modernamente, o termo Quimera passou a ter conotação distinta e nada assustadora, significando fantasia, devaneio, ilusão, sonho, visão... enfim, um produto da imaginação, como era a fera mitológica, diriam.
E foi um Quimera, agora falando de vinho, aliado a boas companhias e um saboroso Bom-Bom do Bassi (“O Templo da Carne”), que fez uma tediosa, chata, fria e chuvosa tarde na Paulicéia tornar-se deliciosa e divertida.
Produzido pela bodega-boutique argentina Achaval-Ferrer, o vinho Quimera, assim como a fera mitológica, também é um ‘ser’ composto e multifacetado. No vinho, não há cabeças ou caudas de animais (é claro!) e suas distintas partes são compostas pelas uvas Malbec, Merlot, Cabernet Sauvignon e Cabernet Franc.
No Quimera, o vinho, o genial enólogo italiano - Roberto Cipresso - trabalha no vinhedo e na adega com total liberdade para encontrar as características que lhe interessam em cada variedade de uva, pensando em cada uma delas como um ingrediente que fará parte de um vinho mais complexo; um vinho no qual o todo será mais que as partes; um vinho no qual o todo não surge de uma mescla fortuita de quatro bons vinhos, mas sim da busca utópica do vinho ideal, do vinho perfeito, do vinho dos sonhos... Eis o Quimera, um dos meus vinhos sul-americanos preferidos.
Vamos ao vinho, porque a vida sem Quimeras não tem graça...
Produtor: Achaval-Ferrer.
País/região: Argentina, Mendoza.
Nome do vinho: Quimera.
Uva(s): 37% Malbec, 28% Merlot, 25% Cabernet Sauvignon e 10% Cabernet Franc.
Tipo: tinto     Safra: 2005    Álcool: 13,5%           
Fermentação alcoólica: em tanques de concreto (piletas).
Amadurecimento: 12 meses em barricas de carvalho francês (40% novas).
Aparência: vermelho rubi ainda intenso e quase sem nuanças cromáticas que indiquem evolução.
Aromas: puros (sem defeitos), com intensidade média+ e complexidade alta. Seus aromas visitam as famílias das frutas negras maduras, das especiarias, ervas aromáticas, flores, minerais...  
Boca: pura; muito saborosa – lembrando frutas negras, especiarias e minerais -; com álcool bem integrado e equilibrado; acidez justa e refrescante; taninos de textura macia; boa densidade, mas sem ser pesado; e um longo e prazeroso final de boca.
Conclusão: um tinto como eu gosto, extremamente bem feito, no qual complexidade, equilíbrio e elegância – e não a mera e fácil potência – dão o tom. Minha única crítica recai sobre minha própria impaciência. Deveria ter esperado mais uns 3-4 anos para beber essa maravilha, pois, certamente, o vinho ganharia ainda mais expressão, com outras camadas de aromas e sabores. Mas, a vida é boa e, com certeza, outros e outras Quimeras virão!
Classificação: Excelente.
Preço/vendedor: R$ 148,00 (safra disponível: 2009) / www.inovini.com.br

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Prove o Roxo!

Voltando a postar, hoje vou tratar do delicioso vinho doce Moscatel Roxo Colecção Privada Domingos Soares Franco, produzido pela casa portuguesa José Maria da Fonseca (JMF).

Como já escrevi anteriormente, a JMF é a mais antiga produtora de vinhos de mesa e Moscatéis de Setúbal de Portugal. Portanto, seus Moscatéis são como uma aula das características e virtudes desse fantástico vinho português em suas mais variadas versões.

É bom destacar também que Domingos Soares Franco, além de ser descendente direto da esposa do Sr. José Maria da Fonseca (o fundador da empresa), é o enólogo chefe da vinícola. A linha de vinhos que carrega seu nome, acompanhado da descrição “Colecção Privada”, é um dos seus xodós e a ela Domingos dedica atenção mais do que especial.

Antes de “falar” do vinho, porém, penso que vale entendermos melhor essa caprichosa uva chamada Moscatel.
Muscat Blanc à Petits Grains

A família de uvas conhecida como Muscat (ou Moscatel, ou Moscato ou...) é bastante grande e também complicada. Talvez, a mais complicada de toda a espécie das vitis viniferas.
Há três variedades principais de Muscat atualmente utilizadas pela indústria vitivinícola:
1.    Muscat Blanc à Petits Grains;
2.    Muscat de Alexandria; e
3.    Muscat Ottonel.

As diversas variedades de Muscat estão plantadas, praticamente, em todos os países da bacia do Mediterrâneo, da Europa central e leste. Também é possível encontrar com certa frequência as Muscats na Austrália, Nova Zelândia, Américas do Norte e Sul, África do Sul...

As Muscats são capazes de produzir os mais diversos estilos de vinhos: brancos leves e secos, espumantes secos ou doces, doces de colheita tardia, doces fortificados, vinhos rosés e até tintos. Sim, é isso mesmo, tintos também! Pois a Muscat pode ter pele dourada, rosada ou negra (a uva tinta Aleatico - encontrada na Corsega e nas regiões italianas da Puglia e Lazio - é, possivelmente, resultante de uma mutação da Muscat Blanc à Petits Grains). É intrigante, mas a mesma videira de Muscat Blanc à Petits Grains pode produzir em um ano uvas de pele dourada e no ano seguinte uvas de pele rosada ou roxa... é a natureza fazendo suas mágicas!

Das três principais variedades citadas, a Muscat Blanc à Petits Grains é considerada a melhor, a que produz os vinhos mais finos e elegantes. Ela é também, provavelmente, a vitis vinifera mais antiga cultivada (domesticada) pelo homem. Os ampelógrafos a associam a duas uvas ancestrais: a grega Anathelicon Moschaton; e a Apianae, que remonta à época do Império Romano.

O Moscatel Roxo Colecção Privada Domingos Soares Franco é produzido com a mutação genética da Muscat Blanc à Petits Grains que desenvolve uma pele roxa, às vezes rosada.
Moscatel Roxo

Ao vinho...

Produtor: José Maria da Fonseca.
País/região: Portugal, Península de Setúbal.
Nome do vinho: Colecção Privada Domingos Soares Franco Moscatel Roxo.
Uva(s): Moscatel Roxo (Muscat Blanc à Petits Grains).
Tipo: branco doce fortificado                       Safra: 2001    Álcool: 18%  
Açúcar residual: 202 g/l (glicose e frutose provenientes da própria uva).
Fermentação alcoólica: em tanques de aço inoxidável.
Amadurecimento: 9 anos em tonéis de carvalho.
Aparência: topázio brilhante.
Aromas: puros (sem defeitos), com intensidade alta e complexidade média+. O perfil aromático é comandado por potentes nuanças de frutas, como casca de laranja cristalizada e geleia de damasco; mas, há também nítidos aromas de mel de flor de laranjeira, toques florais, de amêndoas, caramelo, especiarias doces...
Boca: pura, muito saborosa, com álcool bem integrado, textura macia e consistência viscosa em razão do açúcar e do glicerol, que são devidamente contrapostos pela acidez refrescante, tornando-o um vinho doce super equilibrado. As nuanças de casca de laranja e geleia de damasco se repetem na boca e seu final é altamente persistente.   
Conclusão: eis um vinho doce delicioso e perfeitamente equilibrado, com tudo no lugar: álcool, açúcar e acidez. Com aromas e boca potentes, mas muito elegantes. Como vinho doce, combina perfeitamente com queijos intensos (os azuis, como gorgonzola; os portugueses, como o Serra da Estrela e o Azeitão), doces à base de frutas cítricas, creme pâtissière, chocolate negro, amêndoas ou, porque não, pode ser ele mesmo, o vinho, a própria sobremesa.
Classificação: Excelente+.
Preço/vendedor: R$ 148,00 (750ml) / www.inovini.com.br

Curiosidade: a Muscat Blanc à Petits Grains também é conhecida, dependendo do país ou região, como Muscat Blanc, Muscat Canelli, Moscato Bianco, Muscat de Frontignan, Muscat de Lunel, Muscat d'Alsace, Muskateller, Rosenmuskateller, Moscatel de Grano Menudo, Moscatel Rosé, Moscatel Roxo, Sárgamuskotály...



O texto sobre a família de uvas Muscat foi embasado na Encyclopedia of Grapes, de Oz Clarke, e foi devidamente revisado pelo meu amigo Domingos Soares Franco, ao qual agradeço muito a ajuda.  


Abraços,


Edu Paes 

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

AlenteJo se escreve com “J” de José de Sousa!


Na semana passada recebemos a visita dos amigos António Maria Soares Franco (VP Comercial e de Marketing) e Sofia Parada (Gestora de Marketing e Vendas para as Américas do Sul e Central) da tradicionalíssima casa José Maria da Fonseca (“JMF”) – a mais antiga produtora de vinhos de mesa e Moscatéis de Setúbal de Portugal. Eles vieram para o lançamento oficial no Brasil de dois grandes vinhos: o “J” de José de Sousa 2007, topo de gama dos vinhos da José de Sousa, a adega alentejana da JMF; e o raro Moscatel Roxo Colecção Privada Domingos Soares Franco 2001, um vinho doce absolutamente delicioso feito pelo tio do António.


No almoço com a imprensa, lá na Adega Santiago (regida pelo simpático amigo Jaci, é garantia de boa comida e serviço eficiente), além desses dois lançamentos, também foram degustados (eu bebi tudo, garanto!) mais dois vinhos: o Domini Plus 2007, produzido pela JMF no Vale do Rio Douro; e o José de Sousa Mayor 2007, vinho intermediário da vinícola José de Sousa.

No futuro escreverei sobre o Domini Plus e sobre o Moscatel Roxo. Hoje, no entanto, vou me concentrar nos dois vinhos alentejanos, os “Josés”, que são a razão do título e desse texto que continuo a seguir...

Os primeiros registros de produção de vinhos pela Casa Agrícola José de Sousa Rosado Fernandes (a José de Sousa) datam do ano de 1878, o que a torna uma das vinícolas mais antigas do Alentejo.

A José de Sousa foi comprada pela JMF em 1986 e tornou-se a realização de um sonho da família Soares Franco (proprietária da JMF há cinco gerações e descendente da esposa do Sr. José Maria da Fonseca, o fundador), que há muito desejava produzir vinhos alentejanos, mas buscava uma propriedade de forte prestígio e tradição.

A Herdade do Monte da Ribeira, onde se encontra o vinhedo da José de Sousa, está localizada na estrada para a lidíssima cidadela medieval de Monsaraz (construída no topo de uma montanha e toda murada) e tem uma área de 120 hectares, dos quais 72 plantados com vinha. Em solos de origem granítica e com excelente exposição aos raios solares, plantaram-se ao longo dos anos, particularmente no princípio dos anos de 1950, as uvas tintas Trincadeira, Aragonez e Grand Noir*, além de outras variedades portuguesas.


Monsaraz
A José de Sousa combina tradição e história com tecnologia de ponta. Na adega tradicional, chamada "Adega dos Potes", onde se produz vinhos seguindo técnicas milenares, há lagares para a pisa das uvas e 114 ânforas de barro para a fermentação alcoólica. Na adega moderna, por sua vez, há 44 tanques de aço inoxidável e toda a tecnologia indispensável para a vinificação. É a perfeita combinação de artesanato e tecnologia.



A Pigeage - mergulhando a manta (ou "chapéu") de cascas/sementes no vinho. Haja equilíbrio!

Sou fã dos vinhos José de Sousa desde que os provei pela primeira vez em 2009. Creio que a explicação para a admiração que tenho por esses vinhos passe pelo fator surpresa que eles me proporcionaram, pois são vinhos incomuns. 

Me explico melhor. Em regra, a maioria dos vinhos alentejanos produzidos atualmente tendem a ser excessivamente alcoólicos, saturados de nuanças de fruta sobre-madura (lembrando geléia), com super-extração fenólica, carência de acidez natural e demasiadamente marcados por aromas/sabores de carvalho novo. Além de enjoativos e entediantes, no meu ponto de vista, esses “alentejanos modernosos”, seguidores da fórmula ‘bomba-de-fruta + alto grau alcoólico + carvalho novo extra-tostado’, me lembram mais certos vinhos do Novo Mundo do que, propriamente, vinhos portugueses. Os vinhos de José de Sousa, ao contrário, me proporcionam uma viagem no tempo e me levam para um Alentejo de outrora, mas que ainda existe. Um Alentejo bem português, rústico-elegante, orgulhoso de suas raízes e tradições. Um “Alentejo de raiz”, que não quer ser Novo Mundo e que se liquefaz em vinhos com álcool, fruta, acidez, taninos e carvalho na medida justa do equilíbrio.

É bom ressaltar que, felizmente, os vinhos da José de Sousa não são os únicos representantes desse Alentejo clássico que eu tanto gosto. Há outros produtores que também não se vergaram aos ventos da moda modernista. Uma casa que muito me agrada é a Herdade Monte da Penha, membro dessa tropa de heróis da resistência que seguem orgulhosamente alentejanos. Não poderia deixar de citar também a Quinta do Mouro que, comandada pelo dentista (sim, é isso mesmo, dentista!) Miguel Louro, produz vinhos personalistas, longevos e deliciosos.

Bem, vamos aos Josés...

Produtor: José de Sousa (José Maria da Fonseca).
País/região: Portugal, Alentejo.
Nome do vinho: José de Sousa Mayor Vinho Regional Alentejano.
Uva(s): 63% Grand Noir, 22% Aragonez e 15% Trincadeira.
Vinhedo: 3,5 hectares; idade média das videiras 50 anos.
Tipo: tinto                              Safra: 2007                Álcool: 13%
Fermentação alcoólica: parte em ânforas de barro, parte em tanques de aço.
Amadurecimento: 10 meses em barricas novas de carvalho francês.
Aparência: vermelho escuro e brilhante.
Aromas: puros (sem defeitos), com intensidade média e complexidade média+. Seus aromas não são óbvios. Há uma fruta negra sutil e elegante, lembrando tâmaras e figo seco; toques de ervas e folhas, como louro e tabaco; flores secas; especiarias; carvalho discreto atuando como coadjuvante e um charmoso toque mineral-terroso, quiçá proveniente da ânfora de barro.
Boca: pura, com taninos sutilmente marcantes, mas de boa qualidade; o saboroso frescor da acidez típica deste vinho; álcool bem integrado (comportado); corpo médio+; e longa persistência, terminando com uma saborosa nuança de cranberry.
Conclusão: para mim, este é um tinto de personalidade, com perfil clássico, sério e distinto da maioria. É um vinho para a mesa (como todos os bons vinhos, diga-se de passagem). Já está gostoso de se beber, mas, talvez ainda seja jovem para alguns. Para os que preferem tintos evoluídos, recomendo guardá-lo por mais 2-4 anos ou até mais. Bebi certa vez um Mayor com dez anos de idade que estava fantástico.
Classificação: Excelente-.
Preço/vendedor: R$ 175,00 / www.inovini.com.br

Produtor: José de Sousa (José Maria da Fonseca)
País/região: Portugal, Alentejo
Nome do vinho: “J” de José de Sousa Vinho Regional Alentejano
Uva(s): 45% Grand Noir, 45% Touriga Franca e 10% Touriga Nacional
Vinhedo: 0,4 hectares; idade média das videiras 50 anos
Tipo: tinto                              Safra: 2007                Álcool: 13%
Fermentação alcoólica: em ânforas de barro e efetuada por leveduras silvestres.
Amadurecimento: 15 meses em barricas novas de carvalho francês.
Aparência: vermelho rubi escuro e brilhante (mais intenso do que o Mayor).
Aromas: puros (sem defeitos), com intensidade média+ e complexidade média+. No “J” os aromas me parecem ser mais precisos e intensos. Há nuanças marcantes de fruta negra (algo como ameixa e tâmara) e vermelha (um doce-azedo que me lembra cranberry); notas balsâmicas; cedro; carvalho na medida justa; tabaco; especiarias; chocolate negro; e, neste também, o charmoso toque mineral-terroso proveniente, quem sabe, das ânforas de barro.
Boca: pura, com taninos em quantidade, mas já super polidos; o saboroso frescor conferido pela Grand Noir e pela Touriga Franca; álcool perfeitamente integrado (comportado); encorpado e denso, mas com textura sedosa; longa persistência final, terminando com um saboroso gosto de frutas negras e especiarias.
Conclusão: um grande tinto, que demonstra intensidade sem deixar de ser elegante e equilibrado. Digno de figurar entre os melhores de Portugal. Assim como o Mayor, é um vinho para a mesa e já está delicioso, mas, certamente, irá evoluir maravilhosamente bem com mais uns 2-4 anos na garrafa, podendo ser ainda mais longevo.
Classificação: Excelente+.
Preço/vendedor: R$ 280,00 / www.inovini.com.br

Obs.: Tanto o Mayor quanto o “J”  foram engarrafados sem serem filtrados ou estabilizados por processos térmicos, de modo a preservarem todas as suas virtudes e caráter.

*A uva Grand Noir – rara e quase uma exclusividade da José de Sousa no Alentejo - é uma uva tintureira, ou seja, sua polpa tem antocianinas, os pigmentos pertencentes ao grupo dos flavonóides responsáveis pela grande variedade de cores das frutas, flores e folhas, que vão do vermelho-alaranjado, ao vermelho vivo, roxo e azul. Foi criada em 1855, na França, pelo viticultor Henri Bouschet, através do cruzamento de duas ‘vitis viniferas’, a Aramon e a Petit Bouschet.
Paulo Amaral, enólogo da José de Sousa, me relatou em 2009, quando visitei a vinícola, que a uva Grand Noir tem como característica não ser uma super concentradora de açúcar e, como conseqüência disso, consegue preservar boa parte dos seus ácidos naturais. No Alentejo dos dias atuais, que tem verificado aumento considerável das temperaturas médias, a Grand Noir é um ‘super-trunfo’ da José de Sousa, pois garante vinhos com graus alcoólicos moderados, bom frescor, mais equilibrados, elegantes e gastronômicos.


Que as ânforas e a Grand Noir continuem a encantar os bebedores de vinho...

Abraços,

Edu Paes

domingo, 18 de setembro de 2011

Já provou a Malvasia Nera?

Este foi mais um vinho que encontrei navegando pelas promoções do site www.winestore.com.br. Me fiz a pergunta do título dessa postagem e, vasculhando a memória, concluí que nunca havia provado um vinho feito exclusivamente com a uva Malvasia Nera. Foi o que bastou para adicioná-lo ao carrinho de compras.

A Malvasia Bianca possui diversos sub-tipos e encontra-se disseminada pelas penínsulas Itálica e Ibérica. Também a encontramos na Ilha da Madeira, onde produz o famoso Madeira Malmsey. Costuma gerar bons vinhos secos, porém, é mais famosa pelos excelentes vinhos doces que produz, como o Vin Santo toscano, o próprio Madeira Malmsey, o Passito delle Lipari...

A Malvasia Nera parece ser uma mutação da Malvasia Bianca. A Nera é muito menos comum do que a Bianca e seus vinhedos estão concentrados quase que exclusivamente na Itália (Puglia, Sardenha, Basilicata, Calabria, Toscana, Alto Adige e algo no Piemonte). Normalmente, é misturada com outras uvas para produzir vinhos de corte (blends).

Ao vinho...


Produtor: Feudi di San Marzano
País/região: Itália, Puglia
Nome do vinho: Sud Malvasia Nera Salento I.G.T.
Uva(s): Malvasia Nera
Tipo: tinto                              Safra: 2009                Álcool: 13,5%
Fermentação alcoólica: em tanques de aço.
Amadurecimento: 4 meses em barrica de carvalho francês.
Aparência: vermelho-rubi intenso com reflexos azulados.
Aromas: puros (sem defeitos), frutados, de intensidade média+ e complexidade também média. Aromaticamente, me fez lembrar frutas negras maduras, como ameixa e cereja; flores, como violeta; especiarias doces, como o cravo e a baunilha; e um toque de chocolate negro. Fruta e carvalho em equilíbrio. “Nariz de Malbec argentino”.
Boca: pura, com uma boa e gostosa acidez (para um tinto do calor do sul da Itália), álcool sutilmente marcante na garganta, corpo médio+ (tendendo a encorpado), com média densidade, taninos bastante macios, textura sedosa, persistência final média.
Conclusão: vinho simples, de perfil moderno, tecnicamente muito bem feito, com bom equilíbrio, fácil de beber e excelente relação preço/qualidade (uma incrível barganha!).  Para ser bebido já ou guardado por até um ano mais.
Minha única frustração foi não ter encontrado algo diferente e surpreendente, que era o que esperava ao comprar um vinho feito com uma uva incomum. Mas, talvez eu esteja sendo muito chato e exigente com um vinho muito bem feito e cujo preço é inferior a R$ 30,00.
Classificação: Muito Bom
Preço/vendedor: de R$ 29,52 por R$ 26,57 / www.winestore.com.br

Abraços,

Edu Paes

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Vai uma Verdeca aí?

Você sabe o que é Verdeca? Eu não sabia, ou melhor, não sabia que sabia...

Passeando pelas promoções no site www.winestore.com.br, me deparei com esse vinho feito com a uva Verdeca que, claro, atiçou minha curiosidade e foi prontamente adicionado ao carrinho de compras.

Apenas depois de bebê-lo, pois gosto de brincar com o desconhecido e de ser surpreendido, fui pesquisar que uva é essa e descobri que é a famosa Verdicchio (bastante plantada na região do Marche), que na região Puglia é chamada de Verdeco. Tava na cara, né não!?

Vamos ao vinho...

Produtor: Feudi di San Marzano
País/região: Itália, Puglia
Nome do vinho: Sud Verdeca Puglia I.G.T. 
Uva(s): Verdeca (ou Verdicchio)
Tipo: branco                          Safra: 2008                Álcool: 13%
Fermentação alcoólica: em tanques de aço.
Amadurecimento: idem.
Aparência: translúcido, amarelo intenso e já com tons dourados, o que, em tese, indicaria um vinho mais velho. Pela sua idade (~ 3 anos), esperava um tom amarelo menos escuro. Mas, vá lá... os brancos do sul da Itália são mais suscetíveis à ação do tempo e à oxidação.
Aromas: puros (sem defeitos), de intensidade baixa+ e complexidade também baixa+. Percebi aromas que me lembraram fruta amarela madura (e.g. pêssego e damasco), um toque cítrico, nuanças de mel e florais (camomila).   
Boca: pura, sem amargor, com acidez justa e refrescante (para um branco vindo do calor do sul da Itália), álcool comportado/equilibrado, corpo leve+ (tendendo a médio corpo), sutil sabor de oxidação - nada grave - e persistência final curta.
Conclusão: vinho simples, bem feito, com bom equilíbrio, fácil de beber e preço ok. Para ser bebido já, pois seu estágio de maturidade já está avançado.
Classificação: Bom.
Preço/vendedor: de R$ 36,29 por R$ 32,66 / www.winestore.com.br

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

A graça da surpresa...

Abaixo, o link de mais um ótimo texto do sábio Matt Kramer para quem realmente gosta de vinho!
Se arrisquem, busquem novos vinhos, experimentem e estejam abertos às boas surpresas.
Abraços,
Edu Paes

Why I No Longer Buy Expensive Wine | Drinking Out Loud | News & Features | Wine Spectator

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

A primeira postagem do meu blog será a íntegra do texto que escrevi para a sessão Monte sua Adega da última edição da revista diVino. 

Espero que seja útil e que curtam! 

Monte sua Adega

Revista diVino, edição 18, ano III

Eduardo A. Paes de Andrade

Convidado pela Heloisa Whately (editora da revista) a escrever a sessão Monte sua Adega, pensei num primeiro momento em fazer uma viagem percorrendo os grandes e memoráveis vinhos que já bebi. Comecei a rascunhar a lista com tais vinhos. Vinhos especiais, deliciosos e que marcaram minha vida. Porém, em sua maioria, esses vinhos foram e são muito, muito caros aqui neste país de carga tributária irracional e escorchante.

Olhei para minha lista de vinhos e me perguntei: A quem servirá essa lista? Quem poderá comprar esses vinhos? Poucos, muito poucos, infelizmente. Eu, certamente, não poderia ou não me disporia a comprar aqui no Brasil a maioria dos vinhos da minha própria lista. Uma pena! E olha que nem havia Bordeaux Premier Cru Classé ou Grand Cru borgonhês de vinhedo monopóle, hein! 

Pois bem, feita e respondida a pergunta, resolvi escrever sobre alguns dos vinhos que eu adoro e que custam até R$ 99,00 em seus respectivos importadores/distribuidores. Cabe ressaltar que a lista desses vinhos é potencialmente muito maior. Portanto, abaixo, estão apenas alguns deles. São vinhos cuja qualidade média eu considero excelente, pois os provei em várias safras.

São eles...

Achaval-Ferrer Malbec 2010 (Argentina, Mendoza)
R$ 79,00 (Inovini)
Para aqueles que, como eu, querem evitar a correnteza de Malbecs argentinos com extração fenólica exagerada, alta octanagem e demasiadamente marcados por notas de carvalho, eis um porto seguro. O Malbec da bodega-boutique Achaval-Ferrer é uma das provas de que se pode produzir Malbecs extremamente elegantes na Argentina. Basta querer e, claro, contar com uma boa dose de talento. Este é fermentado em tanques de concreto e amadurecido por 9 meses em barricas de carvalho francês (25% novas). É cativante. Puro prazer sensorial!



Villard El Noble Sauvignon Blanc Botrytised 2006 (Chile, Vale de Casablanca)
R$ 79,00 - 375ml. (Decanter)
Produzir vinhos com uvas atacadas pelo fungo botrytis cinerea não é tarefa simples. A natureza precisa cooperar para que o fungo surja e ataque os cachos de uva no momento ótimo e de maneira “controlada” (botrytis em excesso pode destruir toda uma safra). Na adega, o fungo também tende a trazer complicações para o enólogo durante a fermentação alcoólica. O Villard El Noble é o melhor vinho de uvas botrytizadas do Cone Sul que eu já tomei. Às cegas, já o vi derrotar Sauternes e Quarts de Chaume de boa linhagem e com o dobro do preço.

Steenberg Sauvignon Blanc (África do Sul, Constantia)
R$ 88,00 (Winebrands)
Especialistas atestam que a morfologia e composição dos solos sul-africanos estão entre os mais antigos do mundo. A consequência: uma vasta diversidade de terroirs. A região de Constantia, próxima à Cidade do Cabo, recebe forte influência oceânica (está praticamente onde os oceanos Atlântico e Índico se encontram) e é uma região perfeita para a Sauvignon Blanc. John Loubser, enólogo da Steenberg, é um craque. Esse seu Sauvignon Blanc básico é delicioso. Típico da cepa, frutado, herbáceo, muito puro e com frescor elétrico.

Spice Route Mourvèdre 2008 (África do Sul, Swartland)
R$ 79,00 (Ravin)
A uva Mourvèdre é muito comum nas regiões vitivinícolas do sul da França (sul do Rhône, Bandol, Provence...), onde normalmente é encontrada em vinhos de assemblage. Mas, ela é nativa da Espanha, onde é chamada de Monastrell. É uma uva caprichosa, com uma janela de colheita muito estreita. Na região de Swartland, a Spice Route parece ter encontrado um terroir perfeito para expressar as virtudes da Mourvèdre: fruta negra, especiarias, ervas, tabaco, boca marcante e persistente. Um tinto muito charmoso, diferente e instigante!

Kumeu River Village Chardonnay 2008 (Nova Zelândia, Auckland)
~R$ 96,00 (Mistral)
Lembro com orgulho que o primeiro grande Chardonnay que bebi - lá se vão uns 12 anos, creio - foi um neo-zelandês da Kumeu River. Estava começando a degustar vinhos com disciplina e fiquei absolutamente fascinado pela intensidade e complexidade de aromas, a textura e a elegância daquela garrafa. Era um Kumeu River de vinhedo único, o Mate’s Vineyard! Inocente até então, logo depois vim saber que se tratava do melhor vinho da melhor casa produtora de Chardonnay da Nova Zelândia. O Village Chardonnay é excelente amostra do talento dos Brajkovich e da qualidade Kumeu River.


Beronia Reserva Rioja DOCa 2006 (Espanha, Rioja)
R$ 98,00 (Inovini)
Sou apaixonado confesso pelos vinhos tintos da região espanhola de Rioja. Em especial dos vinhos daquelas bodegas que adotam com sabedoria o estilo riojano clássico. A Beronia é uma dessas. Seus vinhos obedecem e, não raras vezes, ultrapassam os regimes mínimos de amadurecimento em carvalho e em garrafa determinados pela legislação regional. Porém, com uvas de altíssima qualidade e criterioso trabalho na adega, seus vinhos são muito mais que meras infusões de carvalho. Seu Reserva é um arquétipo da harmonia fruta/carvalho.


Dr. Loosen Riesling Blue Slate Kabinett QMP 2009 (Alemanha, Mosel)
R$ 95 (Inovini)
A Riesling é uma uva branca especial. Em vinhos jovens tende a apresentar uma acidez refrescante e aromas, talvez, bidimensionais. Mas, quando se tem paciência para esperar os bons Rieslings amadurecerem, a recompensa em complexidade é emocionante. Dr. Loosen é uma das melhores vinícolas da Alemanha atualmente. O Blue Slate Kabinett (blue slate porque seus vinhedos estão plantados em solo rico em ardósia azul), com suas nuanças cítricas, florais, minerais e de especiarias, já está delicioso e equilibrado, mas amadurecerá com muita classe. 
(Aos que não estão acostumados a beber vinhos do Mosel, friso que este Kabinett é um vinho semi-seco - também chamado "off-dry" - ou seja, apresenta uma certa doçura na boca proveniente dos açúcares residuais da própria uva - frutose/glicose - intencionalmente não fermentados). 


Zaccagnini Tralcetto Montepulciano d’Abruzzo DOC 2007 (Itália, Abruzzo)
R$ 75,00 (Ravin)
O Abruzzo não é uma das regiões vitivinícolas mais famosas da Itália. Isso é fato e quer saber o que penso sobre isso?! Eu acho ótimo! Pois, ainda podemos beber os deliciosos vinhos feitos por lá sem estourar o bolso. A família Zaccagnini é craque na vinificação da uva Montepulciano. O exemplar da linha Tralcetto amadurece cerca de 6 meses em grandes tonéis (botti) de carvalho esloveno. O resultado é um tinto encantador, com muita fruta, especiarias, taninos sedosos, frescor e grau alcoólico moderado. Gastronômico e para sorver aos goles.









Prunotto Mompertone Monferrato Rosso DOC 2007 (Itália, Piemonte)
R$ 80,00 (Winebrands)
O Piemonte é uma das regiões vitivinícolas mais famosas da Itália e do mundo. É lá que são produzidos os prestigiados Barolo e Barbaresco. Assim, encontrar um vinho piemontês com as virtudes do Prunotto Mompertone (Prunotto é a vinícola piemontesa do grupo Antinori) e abaixo de R$ 100 não é algo corriqueiro. Corte de 60% Barbera e 40% Syrah; 60% do vinho amadurece cerca de 10 meses em grandes tonéis de carvalho francês e o restante em barricas usadas. Fruta e carvalho em harmonia, álcool equilibrado e gostoso frescor.


Masi Campofiorin Rosso del Veronese IGT 2007 (Itália, Veneto)
~R$ 82,00 (Mistral)
Sou fã dos tintos do Vêneto, particularmente, daqueles produzidos com uvas nativas. De fato, um dos melhores vinhos que já bebi foi um tinto veneto. A centenária casa Masi, comandada pela família Boscaini, produz o encantador e já clássico Campofiorin (sua 1ª safra data de 1964). Composto por 70% Corvina, 25% Rondinella e 5% Molinara, o vinho obtido de uvas frescas é refermentado com uvas semi-passas (desidratadas durante cerca de 6 semanas). 2/3 amadurecem cerca de 18 meses em grandes tonéis (90 hl.) de carvalho esloveno e 1/3 em barris (600 l.) de carvalho novo francês e esloveno. Vinho franco e elegante!


Cusumano Benuara IGT 2008 (Itália, Sicilia)
R$ 75,00 (Inovini)
Os vinhos da Sicilia - a maior ilha do Mar Mediterrâneo e uma complexa aquarela de terroirs - deram um fantástico salto de qualidade nos últimos 15 anos e seus melhores tintos já não têm medo dos grandes do centro-norte da península. E os sicilianos têm uma vantagem: preço! O Benuara da família Cusumano é um corte de 70% Nero d’Avola (considerada a mais nobre uva tinta da ilha) e 30% Syrah. Uma parte do vinho amadurece em grandes tonéis (20 hl.) de carvalho francês. Forte personalidade siciliana, mas com carvalho e fruta em linda harmonia. Obteve a excelente pontuação due bicchieri rossi do Guia Gambero Rosso. Isso significa que ele se classificou para rodada final na qual foram selecionados os vinhos com a máxima pontuação do guia, os tre bicchieri.


Dopff au Moulin Crémant d’Alsace Chardonnay Brut AOC 2006 (França, Alsácia)
~R$ 87,00 (Mistral)
Encontrar um belo espumante europeu produzido pelo método tradicional (2ª fermentação em garrafa; o mesmo método utilizado em Champagne) e que custe menos de R$ 100 não costuma ser missão simples. Esse Crémant da Dopff au Moulin sempre me proporcionou saborosas taças com fruta cítrica límpida, uma certa complexidade proveniente do amadurecimento em contato com as próprias borras, ótimo frescor, maciez e persistência final. Na minha opinião, melhor do que muito Champagne famoso que há por aí e, com uma vantagem: custa a metade do preço.


M. Chapoutier Banyuls Rouge AOC 2007 (França, Banyuls)
~R$ 95,00 - 500 ml. (Mistral)
Além de louco por vinho, também sou chocólatra. Portanto, nada melhor do que unir essas duas tentações, não acham?! Bem, em regra, os vinhos que melhor combinam com chocolates são aqueles chamados “doces-fortificados” (no início da fermentação alcoólica recebem adição de aguardente vínica, o que lhes torna doces e com alto grau alcoólico). Lá do sudeste da França, da AOC Banyuls, vem essa beleza de tinto-doce-fortificado feito com uvas Grenache. Simplesmente delicioso com chocolates com alto teor de cacau (ao menos 50-60%). 



Quinta do Vallado Tinto Douro DOC 2008 (Portugal, Douro)
R$ 69,90 (vinhocracia.com.br / Cantu)
Os tintos de mesa do vale do Rio Douro, com muita justiça, figuram atualmente entre os melhores vinhos do mundo. Também, convenhamos, daquela região de beleza ímpar (o Alto Douro é considerado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO) não poderíamos esperar nada menos. Propriedade de descendentes diretos da lendária D. Antonia Ferreira (“a Ferreirinha”), a Quinta do Vallado é sinônimo de Douro de alta qualidade. Este, o Vallado básico, é Douro até a medula: com frutos negros, flores, ervas, boca intensa, marcante e frescor na medida.