Na semana passada recebemos a visita
dos amigos António Maria Soares Franco (VP Comercial e de Marketing) e Sofia
Parada (Gestora de Marketing e Vendas para as Américas do Sul e Central) da tradicionalíssima casa José Maria
da Fonseca (“JMF”) – a mais antiga produtora de vinhos de mesa e Moscatéis de
Setúbal de Portugal. Eles vieram para o lançamento oficial no Brasil de dois grandes
vinhos: o “J” de José de Sousa 2007, topo de gama dos vinhos da José de Sousa,
a adega alentejana da JMF; e o raro Moscatel Roxo Colecção Privada Domingos
Soares Franco 2001, um vinho doce absolutamente delicioso feito pelo tio do António.
No almoço com a imprensa, lá na Adega
Santiago (regida pelo simpático amigo Jaci, é garantia de boa comida e serviço
eficiente), além desses dois lançamentos, também foram degustados (eu bebi
tudo, garanto!) mais dois vinhos: o Domini Plus 2007, produzido pela JMF no Vale
do Rio Douro; e o José de Sousa Mayor 2007, vinho intermediário da vinícola
José de Sousa.
No futuro escreverei sobre o Domini
Plus e sobre o Moscatel Roxo. Hoje, no entanto, vou me concentrar nos dois
vinhos alentejanos, os “Josés”, que são a razão do título e desse texto que
continuo a seguir...
Os primeiros registros de produção de
vinhos pela Casa Agrícola José de Sousa Rosado Fernandes (a José de Sousa) datam
do ano de 1878, o que a torna uma das vinícolas mais antigas do Alentejo.
A José de Sousa foi comprada pela JMF em
1986 e tornou-se a realização de um sonho da família Soares Franco (proprietária
da JMF há cinco gerações e descendente da esposa do Sr. José Maria da Fonseca,
o fundador), que há muito desejava produzir vinhos alentejanos, mas buscava uma
propriedade de forte prestígio e tradição.
A Herdade do Monte da Ribeira, onde se
encontra o vinhedo da José de Sousa, está localizada na estrada para a lidíssima
cidadela medieval de Monsaraz (construída no topo de uma montanha e toda
murada) e tem uma área de 120 hectares, dos quais 72 plantados com vinha. Em
solos de origem granítica e com excelente exposição aos raios solares, plantaram-se
ao longo dos anos, particularmente no princípio dos anos de 1950, as uvas tintas
Trincadeira, Aragonez e Grand Noir*, além de outras variedades portuguesas.
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| Monsaraz |
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| A Pigeage - mergulhando a manta (ou "chapéu") de cascas/sementes no vinho. Haja equilíbrio! |
Sou fã dos vinhos José de Sousa desde
que os provei pela primeira vez em 2009. Creio que a explicação para a
admiração que tenho por esses vinhos passe pelo fator surpresa que eles me
proporcionaram, pois são vinhos incomuns.
Me explico melhor. Em regra, a
maioria dos vinhos alentejanos produzidos atualmente tendem a ser
excessivamente alcoólicos, saturados de nuanças de fruta sobre-madura
(lembrando geléia), com super-extração fenólica, carência de acidez natural e
demasiadamente marcados por aromas/sabores de carvalho novo. Além de enjoativos
e entediantes, no meu ponto de vista, esses “alentejanos modernosos”,
seguidores da fórmula ‘bomba-de-fruta + alto grau alcoólico + carvalho novo
extra-tostado’, me lembram mais certos vinhos do Novo Mundo do que, propriamente,
vinhos portugueses. Os vinhos de José de Sousa, ao contrário, me proporcionam uma
viagem no tempo e me levam para um Alentejo de outrora, mas que ainda existe. Um
Alentejo bem português, rústico-elegante, orgulhoso de suas raízes e tradições.
Um “Alentejo de raiz”, que não quer ser Novo Mundo e que se liquefaz em vinhos com
álcool, fruta, acidez, taninos e carvalho na medida justa do equilíbrio.
É bom ressaltar que, felizmente, os
vinhos da José de Sousa não são os únicos representantes desse Alentejo
clássico que eu tanto gosto. Há outros produtores que também não se vergaram
aos ventos da moda modernista. Uma casa que muito me agrada é a Herdade Monte
da Penha, membro dessa tropa de heróis da resistência que seguem orgulhosamente
alentejanos. Não poderia deixar de citar também a Quinta do Mouro que,
comandada pelo dentista (sim, é isso mesmo, dentista!) Miguel Louro, produz
vinhos personalistas, longevos e deliciosos.
Bem, vamos aos Josés...
País/região: Portugal, Alentejo.
Nome
do vinho: José de
Sousa Mayor Vinho Regional Alentejano.
Uva(s): 63% Grand Noir, 22% Aragonez e 15% Trincadeira.
Vinhedo: 3,5 hectares; idade média das
videiras → 50 anos.
Tipo:
tinto Safra: 2007 Álcool:
13%
Fermentação
alcoólica: parte em ânforas de
barro, parte em tanques de aço.
Amadurecimento: 10 meses em barricas novas de carvalho francês.
Aparência:
vermelho escuro e
brilhante.
Aromas:
puros (sem defeitos),
com intensidade média e complexidade média+. Seus aromas não são óbvios. Há uma
fruta negra sutil e elegante, lembrando tâmaras e figo seco; toques de ervas e
folhas, como louro e tabaco; flores secas; especiarias; carvalho discreto
atuando como coadjuvante e um charmoso toque mineral-terroso, quiçá proveniente
da ânfora de barro.
Boca:
pura, com taninos
sutilmente marcantes, mas de boa qualidade; o saboroso frescor da acidez típica
deste vinho; álcool bem integrado (comportado); corpo médio+; e longa persistência,
terminando com uma saborosa nuança de cranberry.
Conclusão: para mim, este é um tinto de
personalidade, com perfil clássico, sério e distinto da maioria. É um vinho
para a mesa (como todos os bons vinhos, diga-se de passagem). Já está gostoso
de se beber, mas, talvez ainda seja jovem para alguns. Para os que preferem tintos
evoluídos, recomendo guardá-lo por mais 2-4 anos ou até mais. Bebi certa vez um
Mayor com dez anos de idade que estava fantástico.
Classificação:
Excelente-.
Preço/vendedor:
R$ 175,00 / www.inovini.com.br
País/região: Portugal, Alentejo
Nome
do vinho: “J” de José de Sousa Vinho
Regional Alentejano
Uva(s): 45% Grand Noir, 45% Touriga Franca e
10% Touriga Nacional
Vinhedo: 0,4 hectares; idade média das
videiras → 50 anos
Tipo:
tinto Safra: 2007 Álcool:
13%
Fermentação
alcoólica: em ânforas de barro
e efetuada por leveduras silvestres.
Amadurecimento: 15 meses em barricas novas de carvalho francês.
Aparência:
vermelho rubi escuro
e brilhante (mais intenso do que o Mayor).
Aromas:
puros (sem defeitos),
com intensidade média+ e complexidade média+. No “J” os aromas me parecem ser mais
precisos e intensos. Há nuanças marcantes de fruta negra (algo como ameixa e
tâmara) e vermelha (um doce-azedo que me lembra cranberry); notas balsâmicas; cedro; carvalho na medida justa; tabaco;
especiarias; chocolate negro; e, neste também, o charmoso toque mineral-terroso
proveniente, quem sabe, das ânforas de barro.
Boca:
pura, com taninos em
quantidade, mas já super polidos; o saboroso frescor conferido pela Grand Noir
e pela Touriga Franca; álcool perfeitamente integrado (comportado); encorpado e
denso, mas com textura sedosa; longa persistência final, terminando com um
saboroso gosto de frutas negras e especiarias.
Conclusão: um grande tinto, que demonstra
intensidade sem deixar de ser elegante e equilibrado. Digno de figurar entre os
melhores de Portugal. Assim como o Mayor, é um vinho para a mesa e já está
delicioso, mas, certamente, irá evoluir maravilhosamente bem com mais uns 2-4
anos na garrafa, podendo ser ainda mais longevo.
Classificação:
Excelente+.
Preço/vendedor:
R$ 280,00 / www.inovini.com.br
Obs.:
Tanto o Mayor quanto o “J” foram engarrafados sem serem filtrados ou
estabilizados por processos térmicos, de modo a preservarem todas as suas virtudes e caráter.
*A
uva Grand Noir – rara e quase uma exclusividade da José de Sousa no Alentejo - é uma uva tintureira, ou seja, sua polpa tem antocianinas, os pigmentos pertencentes ao grupo dos flavonóides responsáveis pela grande variedade de cores das frutas, flores e folhas, que vão do vermelho-alaranjado, ao vermelho vivo, roxo e azul. Foi criada em 1855, na França, pelo viticultor Henri Bouschet, através do cruzamento de duas ‘vitis viniferas’, a Aramon e a Petit Bouschet.
Paulo
Amaral, enólogo da José de Sousa, me relatou em 2009, quando visitei a
vinícola, que a uva Grand Noir tem como característica não ser uma super
concentradora de açúcar e, como conseqüência disso, consegue preservar boa
parte dos seus ácidos naturais. No Alentejo dos dias atuais, que tem verificado
aumento considerável das temperaturas médias, a Grand Noir é um ‘super-trunfo’ da
José de Sousa, pois garante vinhos com graus alcoólicos moderados, bom frescor,
mais equilibrados, elegantes e gastronômicos.
Que as ânforas e a Grand Noir continuem a encantar os bebedores de vinho...
Abraços,
Edu Paes
















